Como é possível não recordar rapidamente de um rosto amigo?
Eu me esforço um pouco e parece que nada... Aí entra a grande utilidade tecnológica, ou nem tão grande assim, e eu simplesmente procuro uma foto sua. Não me satisfez, eu queria lembrar uma memória que fosse só minha.
Esforço-me um pouco mais e voilá: Lembro a última vez, talvez a única, que parei pra prestar atenção nele. Porque, sabe, não é sempre que a gente faz uma análise das feições dos amigos, especialmente daqueles que fazem parte de tudo que a gente é e que acabam banalizados.
Era um dia quente na rua, eu te olhava de cima pra baixo enquanto o sol fazia seu rosto pequeno acender, tão rápido quanto o seu cigarro, assim como quem ilumina alguém com uma lanterna, seus olhos se apertavam e você desguiava o rosto de tempo em tempo da luminosidade. Sem prestar muita atenção no que você dizia, travei um diálogo comigo mesma que rapidamente concluí: "Que pele boa ele tem, nunca tinha reparado", nenhuma grande marca ou espinhas, bochechas rosadas e os pelos castanho claro brilhavam um pouco com a luz natural da tarde. Mas não era só isso que eu queria rememorar.
Que estranho é tentar desconstruir a imagem pré-moldada que temos de alguém. A forma como lembramos é sempre pior ou melhor, nunca a realidade.
Mediano, de corpo magro e pele branca, meu amigo é um menino. Embora tenha vivido cem anos mais do que eu, tenha uma consciente invejável de si mesmo, seja forte e decidido, é um menino. Possui uma inocência infantil, uma insegurança inquietante e uma preguiça dos dias de domingo.
E era disso que se tratava, eu não queria lembrar só da sua imagem física, por isso era tão difícil evocar.
Se eu pudesse terminar descrevendo melhor essa grande imagem que eu tenho dele ou mesmo as notinhas de rodapé guardadas em minha memória vezes fresca, vezes cheia de lapsos, diria que quando olhando pra ele eu vejo uma fina capa protetora, translúcida, que reflete intensidade, mas que de tão frágil bate um receio de que qualquer abraço austero abra uma fenda e deixe escapar os pequenos lampejos que meu amigo fagulha e que me iluminam nos seus dias de sol.
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