Biarticulado detalhado.

Peguei um biarticulado no horário de pico, pensei que me sentiria como uma sardinha enlatada, mas por sorte o ônibus não estava tão cheio. Eu, em pé, mais ou menos no centro do ônibus, tinha uma boa visão dele todo. 
Seguia reparando no rosto das pessoas que eu considerava que estariam voltando de seus trabalhos, semblantes tristes, alguns um pouco sujos, moças de maquiagem borada, alguns até pestanejavam encostados nas janelas. Eu me segurava com firmeza, especialmente nas curvas, pois o motorista estava realmente querendo tirar o pai da forca.
Meus olhos percorriam o rosto daquelas pessoas, fazia pausas em algumas delas, imaginava a história da vida de uma, outra eu apenas tentava adivinhar o nome, se tinha filhos, ou apenas prestava atenção em suas conversas, tudo como de costume, como boa observadora que sou.
Numa dessas minhas procuras por alguém que me chamasse mais atenção e eu pudesse me focar, encontrei um garoto, um belo garoto. Ele estava apoiado com as costas na porta quatro, mal se segurava, estava seguro naquela posição, até que a porta abrisse e ele tivesse que se esquivar pra que os passageiros descessem.
Encantei-me com aquele moço. Meus olhos o encontraram e ali ficaram, analisando cada detalhe possível.
Sua pele morena-clara dava a ele um ar mais sedutor, sua boca era pequena, delicada, e enquanto ele conversava despercebido com um colega que o acompanhava, pude reparar em seus dentes, que tornavam tudo um conjunto bem desenhado. Seu cabelo era como o de quem acabará de raspar numa máquina dois, não o deixando tão curto. Seus olhos pouco mais escuros do que os meus, nem grandes nem pequenos, e sim proporcionais ao seu rosto, que alias, tinha um bonito formato numa mistura de delicadeza e masculinidade, envolvido por uma imperfeita barba, qual não pude deixar de reparar, por gostar muito. Seu nariz também estava simetricamente alinhado a sua face. Era de estatura mediana, trajava uma calça jeans despojada, uma camiseta neutra e um tênis moderno, desses de garotos que gostam de rock (infelizmente não era um all star), continuei a observar. Ele também carregava uma mochila, imaginei que estivesse voltando do trabalho, cursinho ou faculdade. Ouvia um popular aparelho de mp3, acho que ouvia uma boa música, ele tinha cara de quem ouvia.
Enquanto seu colega falava coisas cujo quais não prestei atenção, ele apenas sorria, vez concordava com a cabeça, outras levantava as sobrancelhas em sinal de entendimento. Suas mãos eram pequenas, delicadas como as de uma moça, porém, suas unhas denunciavam o contrário. Notei que ele não usava aliança, sinal de que era solteiro, ou apenas não usava.
Fixei meus olhos nos dele e sentindo que ele percebeu, desviei, envergonhada. Entretanto, eu não me continha dentro de mim, eu precisava olhar, eu precisava, eu queria. Olhei novamente, e de novo, e de novo... Sempre tentando fazer com que ele não percebesse, mas acabou por ser inútil. Depois de alguns desvios de olhares, uns ápices de vergonha, seus olhos se encontraram intensamente com os meus... e sorriram.
E agora ele também me observava. O que será que ele pensava?
Estávamos separados por certa distância, conversávamos com os olhos, eu estava adorando aquela paquera.
Infelizmente chegou a hora do meu desembarque. Preciso ir moreno dos olhos famintos, preciso!
Caminhei até a porta do desembarque, a número quatro, lá mesmo onde ele estava. Como na porta havia um aglomerado de pessoas também aguardando o desembarque, eu fui andando até encontrar um lugar onde eu pudesse me segurar melhor e que não tivesse tanta gente. Esse lugar, felizmente, era exatamente de frente pra ele, onde eu pude observa-lo melhor. Era ainda mais bonito de perto, seus traços me embriagaram... Como era lindo!
A porta abriu é a minha vez de descer, queria poder observá-lo por mais tempo, mas eu precisava ir... Caminhei para fora do biarticulado sem tirar meus olhos dele, afinal seriam os últimos minutos que eu o veria.

Antes que a porta nos separasse ele me olhou uma última vez e sorriu. Um sorriso assim de despedida. 
E eu guardei o seu sorriso, como uma medalha. Fui embora com um esboço de riso estampado no rosto.
Eu sei que nunca mais me encontrarei com ele, pois é assim que as coisas acontecem, eu nem soube seu nome, mas mesmo assim eu me apaixonei por ele, assim como me apaixonei por tantos outros de formas semelhantes.
Agora eu volto pra casa, caminhando, sozinha, reparando nas pessoas que ocupam as ruas. Quem sabe eu não me apaixone por alguém no caminho? Alguém com quem eu possa flertar e sonhar por instantes.

Quem sabe?



originalmente:03/07

Nenhum comentário: