Adamaltino da Costa – O Vendedor de Azeitonas


Palmas em meu portão às sete da manhã de domingo, acordei emputecida.
Homem velho, maltrapilho, deve estar pedindo dinheiro. Fui conferir.
-  Ó moça, quer comprar azeitona? – diz o homem de primeira.
-  Ah, bom dia! Azeitona?
- É, azeitona.
- Existe isso?
- O quê? Azeitona? Existe tem tempo!
- Não, não azeitona. Vendedor de azeitona, nunca vi.
- Eu também nunca vi, por isso resolvi vender. Penso que eu sendo o primeiro a vender, me dou bem.
O que eu poderia responder depois dessa, com um vendedor de azeitonas plantado em meu portão?
-  Quanto é?
- Quinze o vidro.
- Quinze o vidro?? Nossa! De onde é que vem essas azeitonas, meu senhor?
- Do mercado.
- Do mercado?  – gargalhei – Como assim, o senhor está me dizendo que as azeitonas que o senhor vende são compradas no mercado?
- É.
Nem me atrevi a questionar, não me bastava um vendedor de azeitonas, tinha que ser de azeitonas do mercado, plantado em meu portão, num domingo de manhã!
Fazia sentido pra mim, nunca vi uma plantação de azeitonas, não sei de onde elas vem além do mercado mesmo.
- Me ajuda, moça. Tenho filho pra criar.
Taí uma frase mágica no coração dos molengas. Não importa quantas teorias você tenha pra convencer alguém a não dar dinheiro nem comprar coisas dessas pessoas que usam esses argumentos, no final, você vai ajudar. Mesmo achando que na verdade eles vão comprar pinga.  Nesse caso, existe a justificativa “pelo menos não está roubando ou pedindo”.
Pedi pro velho esperar e voltei com o dinheiro.
- Tá aqui. Espero que essas azeitonas sejam boas, viu?
- Azeitona é tudo igual, moça. – é tudo que um consumidor quer ouvir de um vendedor.
- Claro que não, algumas são pretas e até sem coroços.
- Essas não tem graça, o bom é ficar mastigando o caroço e depois jogar o mais longe que você conseguir com a boca. – claro, é isso que eu faço sempre que como azeitonas.
- Verdade. – sorriso amarelo.
- Obrigado, até mais, moça. – ah, eu espero que não.
- Tudo bem, de nada.
Ele seguiu, e eu também, de volta pra minha caminha quentinha de domingo de manhã.
____

- Diego, o que você acha de um vendedor de azeitonas?
- Inútil.
- E o que você acha de quem compra azeitonas de um vendedor de azeitonas?
- Idiota.
- Tá certo. Você gosta de azeitonas?
- Bastante.
- Se quiser, tem um estoque na geladeira.

Versinho de Saudades do Teatro ou A Vida da Atriz



Sorri de nervoso antes do terceiro sinal
Se o pé fica sem palco ela passa mal. 
Aquece fazendo caretas, não tem pudor
Costura a própria roupa, trabalha em teatro amador.
Passa o punkake, pinta o nariz
Alguém diz "merda!", e é isso que a faz feliz.


-Ei, eu me encarreguei de apagar tudo que escrevi sobre e pra ela, se acalma.
-E sobre as minhas linhas analfabetas pra você?
-Não tenho pressa em ler. Já sei que gosta de mim, isso me basta.
-Eu te amo.
-E eu lhe sou muito grato.
Pausa.
-É justo.
Lágrima.


a praça veste xadrez
o xadrez veste os velhos
os velhos jogam dama
e as suas damas permanecem em casa.

 os bancos assentam os velhos
velhos de chapéus assentados
vestidos nos ternos amassados
amassando o fumo no bolso de seus ternos.

 a pipoca alimenta as pombas
as pombas alimentam a vista da praça
alguns lamentam, mas nenhum é triste
triste é a tarde que passa.

 sorri de pirraça quem ganha o jogo
quem perde também sorri e se despede
a praça esvazia de seus anciãos
os velhos anseiam o dia seguinte de praça.

Assim sem ser, compondo o silêncio, uma indefinição definitiva.
O raso fio de imensa intensidade falseada, nosso encontro com a melhor maldade.
Dúvida certeira.
Uma felicidade magoada, uma espera adiada... 
Um soco na boca do estômago ocupando o lugar das borboletas.
Um buraco ao invés de um eu te amo.


Os óculos engraçados já não apetecem mais os olhos cansados, lânguidos, pesados, estranhamente aliviados.
A cabeça figura, a realidade desfigura, os dedos permanecem dormentes.
Ele se faz de desentendido e a rasga ao meio, sem culpa.
Ela já perdeu o medo, mas continua quebrada, alheia aos seus próprios caprichos. Até quando?
-Não liga, não – dizia ele dando as costas.
-Então me dê um único sorriso – ela pedia agoniada.
-Eu não posso lhe sorrir, não tenho dentes – respondia ele em tom de desprezo.
-Você não é capaz de realizar nenhum capricho meu, não é? Nunca terá dentes pra me sorrir – desespera ela.
-Ah, por favor, não seja tola. Um dia, sim? Tenha paciência, eu vou sorrir – retrucou tentando encerrar.
Ela subentendeu e balançou a cabeça em sinal de concordância, mas sabia que era mentira, mais uma.
Sabia que antes dela ele teve os mais belos dentes e que não se esforçaria pra recuperá-los por um pedido dela. Estava ocupado demais, condicionado a imagem de seu negativismo. Mesmo que lhe faltasse esperança, sobravam delírios, era o que lhe mantinha presa, vazia, mas presa.
Num momento de desequilíbrio os olhos cegaram, dedos estranhos os percorriam. De que importa? Estava serena, não precisava mais implorar um sorriso.
Voltou ao que sabia que seria o último encontro com aquele homem castigado pelo passado, incapaz de se entregar ao futuro.
Foi a primeira vez que ele disse muito, enquanto ela permanecia calada.
Olhava no fundo de seus olhos, com frieza e ele esbravejava, questionava.
Então ela visceralmente atravessou a arma branca em sua jugular.




Ficou ali até ele parar de agonizar.
E foi embora, tão fria quanto chegou.